A cada vez que me apresento como #animalcrueltyfreerider e digo que “não como cadáveres” nem “como os animais porque os animais são meus amigos e seria extremamente horrendo comer os meus amigos” recebo uma de três coisas ou as três em conjunto:
– franzir de sobrancelha;
– “E a proteína?”;
– “Mas nós sempre comemos carne…”
As duas primeiras reações já encontram Artigo Informativo aqui n’O Blog. Chegou agora o momento de trazer evidência científica para a terceira – última mas não menos importante.
Num “mundo” em que o debate rapidamente se torna intenso e feroz entre “comedores de cadáveres” e “veggies”, defendo que é preciso bom senso, respeito e esclarecimento!
Eu escolhi uma forma de estar na vida e à mesa que concilia razões de saúde, éticas, de empatia, sustentabilidade e preocupação pelo futuro do planeta que me coloca, porventura, no grupo dos “vegetarianos”. Do outro lado do prato encontro alguns amantes de carne que pensam pouco se devem ou não comer carne (outros que nem refletem sobre esse ato e as suas consequências para a economia, para a agricultura, para os pequenos produtores portugueses, etc.) e outros que apregoam um (pseudo)direito de mastigar os músculos dos animais até o fim dos tempos.
Na verdade, eu sou uma apaixonada por gastronomia: gastronomia é Cultura! Gastronomia é Vivência (muito para lá da sobrevivência a que os “eat meaters” se colam). Gastronomia é Nutrição, Saúde, Arte, Viagem, Conhecimento,…
E, sim, eu estou ocupada com a ética da indústria da carne, com o impacto ambiental da criação de animais para consumo humano! Animais não são um produto de vitrina! Animais têm um coração que bate como o meu, uma família, uma comunidade,… Somos todos criaturas!
Porém, a questão aqui, hoje, é esclarecer sobre se o Humano foi ou não projetado, desenhado, “criado” para comer outras criaturas ou se essa foi uma necessidade que surgiu ao longo da História.
Aliás, penso que a questão colocada de forma mais contemporânea deverá ser:
Porque se come muito mais carne do que nossos primos primatas e porque estamos programados para babar ao som e ao cheiro de bifes na grelha?
Adoro ler sobre o tema e diverte-me assistir aos exercícios dos cientistas que ainda têm muitas perguntas sem respostas sobre as origens e a evolução do consumo de carne humana. Porém, existem algumas teorias fortes sobre quando, como e o porquê da espécie humana incorporar quantidades de carne cada vez maiores numa dieta que supostamente omnívora (como nos ensinaram na Escola Básica).
Então, cada vez mais se difunde e, felizmente, passa a tornar-se senso comum a dieta do homem pré-histórico e o impacto que nesta teve a mudança climática.
Há cerca de 2,6 / 2,5 milhões de anos atrás a Terra ficou significativamente mais quente e seca. Antes dessa mudança climática, os nossos ancestrais – conhecidos como “hominídeos” – subsistiam principalmente de frutas, folhas, sementes, flores, cascas e tubérculos. Com o aumento da temperatura, as florestas encolheram e as pastagens prosperaram. As savanas de pastagem que se espalharam por toda a África sustentaram um número crescente de herbívoros de pasto. À medida que as plantas verdes se tornavam mais escassas, a pressão evolutiva forçou os primeiros humanos a encontrar novas fontes de energia.
Os arqueólogos encontraram grandes ossos de herbívoros datados de 2,5 milhões de anos atrás com marcas de corte reveladoras de ferramentas de pedra brutas. Os nossos ancestrais hominídeos não eram caçadores competentes; provavelmente retiravam a carne das carcaças.
“Mais gramíneas significam mais animais pastando e mais animais de pasto morrendo significam mais carne”, diz Marta Zaraska, autora de Meathooked: The History and Science of Our 2,5-Million-Years Obsession With Meat.
Daí a que os humanos passassem a comer carne, mesmo que ocasionalmente, não demorou muito a tornarem-na parte da dieta.
As ferramentas tornaram-se os “segundos dentes”.
Não é uma coincidência que a evidência mais antiga da disseminação do consumo de carne humana coincida no registro arqueológico com o Homo habilis, o “faz-tudo” dos primeiros humanos. Em certos locais no Quênia, os arqueólogos descobriram milhares de “facas” de pedra lascada e martelos do tamanho de punhos próximos a grandes pilhas de fragmentos de ossos de animais com marcas de açougueiro correspondentes que datam de 2 milhões de anos atrás.
Embora os nossos antigos parentes humanos tivessem mandíbulas mais fortes e dentes maiores do que o homem moderno, as bocas e vísceras foram projetadas para triturar e digerir matéria vegetal e não carne crua. Desta forma, as ferramentas de pedra bruta funcionavam como um segundo conjunto de dentes, arrancando pedaços de carne das carcaças, ou serviam para partir ossos e crânios abertos para chegar à medula ou ao cérebro. Ao pré-processar a carne com ferramentas originalmente projetadas para cavar tubérculos e quebrar nozes, os ancestrais tornaram a carne animal mais fácil de mastigar e digerir.
É por isto que os zooarqueólogos acreditam que os ancestrais humanos carnívoros, que viveram há mais de um milhão de anos, eram necrófagos e não caçadores.
Uma teoria que explica a razão de tantos ossos de animais abatidos entrarem nos registos arqueológicos há cerca de 1,8 milhão de anos é que, embora os primeiros humanos fossem péssimos caçadores, viviam entre alguns dos mais eficientes assassinos que já ocuparam a Terra: os felinos dente-de-sabre.
Briana Pobiner, que estuda as origens do consumo de carne humana, escreveu que “Entre 1 a 2 milhões de anos atrás, as grandes comunidades carnívoras da savana africana consistiam não apenas de leões, hienas, leopardos, chitas e cães selvagens, como nós vemos hoje, mas também pelo menos três espécies de felinos dente-de-sabre, incluindo um que era significativamente maior do que os maiores leões africanos machos. Esses felinos podem ter caçado presas maiores, deixando ainda mais sobras para os primeiros humanos vasculharem.”
Quando os humanos começaram a cozinhar carne, foi quando esta ficou mais fácil de digerir. As primeiras evidências claras de humanos cozinhando alimentos datam de cerca de 800 mil anos atrás – embora pudesse ter começado antes.
Hoje, os humanos continuam a comer carne pelo gozo, não porque precise dela.
A carne foi importante para o crescimento do cérebro humano, mas isso não significa que a carne ainda seja uma parte insubstituível da dieta humana moderna. Zaraska diz que qualquer alimento com alto teor calórico teria o mesmo efeito nos cérebros ancestrais em evolução – “poderia ter sido manteiga de amendoim” -, mas, pelas razões mencionadas, a carne acabou por estar à mercê.
Hoje essa memória coletiva permanece e são incontáveis os que anseiam por carne, em parte porque o cérebro humano evoluiu na savana africana e ainda estão programados para “procurar” fontes de proteína com alta densidade energética. É semelhante à tendência para o açúcar, uma mercadoria rara e rica em calorias para os ancestrais coletores, cujos cérebros os recompensavam por encontrar frutas maduras.
A isto acresce o facto de que a maioria anseia por carne por causa do significado cultural. Todavia, esclareça-se: diferentes culturas são mais ou menos centradas na carne, embora haja uma correlação clara entre riqueza e consumo de carne. As nações ocidentais industrializadas têm em média de consumo de carne por pessoa por ano 100 vezes superior ao das nações africanas mais pobres, por exemplo. Também em muitos países da Ásia, as médias de consumo de carne por pessoa são abismalmente dispares das do ocidente.
De resto, tal como já abordado noutros artigos aqui n’o Blog, uma dieta excessivamente rica em carne está associada a doenças cardíacas, diabetes e certos tipos de cancro – assuntos com que os antepassados nunca tiveram que se preocupar – uma vez que não viveram o suficiente para serem vítimas de doenças crónicas.
“Os objetivos de vida dos nossos antepassados eram muito diferentes dos nossos”, diz Zaraska. “O objetivo deles era sobreviver até ao dia seguinte.”
Hoje o nosso corpo está repleto de mudanças evolutivas: Agora somos uma mistura de compensações e complementos que nos ajudaram a sobreviver ao longo dos anos. A evolução é infinita e a adaptação contínua.
A vida moderna é diferente; as opções que se encontram são muito mais variadas e não tem nem que ser retiradas a carcaças nem caçadas. Os nossos antepassados não tiveram acesso ao tofu, por exemplo, e um ser humano que vivesse em climas mais frios teria dificuldade em encontrar castanhas de caju.
E, então, somos ou não carnívoros?
Anatomicamente, resposta simples: não parecemos carnívoros!
Os dentes que possuímos não são bons para rasgar a carne e o sistema digestivo humano é demasiadamente longo para transformar a carne.
Somos herbívoros, então? Parece que também não porque as nossas entranhas não são compridas o suficiente e a estrutura dentária não se encaixa perfeitamente.
Somos, ao que parece, omnívoros; nossos corpos podem lidar muito bem com a matéria da carne e das plantas. Não é tão simples assim. Apenas olhar os dentes e o intestino de um animal não é uma maneira infalível de distinguir sua dieta. O panda – com caninos assassinos e dieta de bambu – é um excelente exemplo.
Posto isto, ainda que a maioria das criaturas tenha um intestino adequado à dieta que consome, nós humanos gostamos de, para conforto, nos considerarmos especiais. Porém, por muito que aborreça, a verdade é que o intestino humano é muito semelhante ao dos nossos “parentes” mais próximos: macacos e símios. Logo, se nos queremos alimentar em harmonia com o trato digestivo, a nossa dieta deve ser pelo menos semelhante à desses “familiares”.
Quando examinamos a dieta de praticamente todos os macacos e símios, encontramos nozes, frutas, folhas, insetos e um ocasional snack de carne.
A partir dessas observações, talvez possamos concluir que, evolutivamente falando (e sem questões éticas, sociais, religiosas, ecológicas, afetivas, filantrópicas, ambientalistas, de sustentabilidade, etc.), não deveríamos ser necessariamente vegetarianos e evoluímos para comer apenas um pedaço ocasional de matéria animal.
Da próxima vez que pensar em usar o argumento de que come animais porque os seus antepassados já o faziam, relembre-se que isso quer dizer fazê-lo como o fizeram o Homo erectus , Neandertais (que podem muito bem ter comido mais plantas do que muitas vezes se imagina), Australopithecus (que andou pela Terra cerca de 4 milhões de anos atrás) e os primeiros primatas (cerca de 50-55 milhões de anos atrás).
Vai fazê-lo?
Ver Ilda Pereira – PT de Desenvolvimento Pessoal
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