“Falem bem ou falem mal, mas falem de mim!”
Dizem lá haver muita sabedoria nos ditos do povo e só isso para nos serenar perante mais uma grande vontade dos Meios de Comunicação em “falarem” (mal) do ciclismo – modalidade cujos conceitos, normativos e operações poucos profissionais dos mídia conhecem.
Por isso, publicados os resultados negativos dos testes realizados aos ciclistas da W52, a questão parece estar em perceber o que faz com que a temática do Doping seja tão propagandeada pelos média quando toca ao ciclismo, mas negligenciem este ofício, semana após semana, num calendário tão rico e interessante, no feminino e no masculino, e raramente (ou quase nunca) dêem a conhecer os casos que ocorrem nos outros desportos.
De facto, criou-se há muitos anos um mediatismo à volta do doping no Ciclismo, claramente alimentado pela novela que Lance Armstrong preconizou, encenou e continua a interpretar. Porém, a história avançou e os mass media estagnaram na ideia paupérrima de formar a opinião pública informando de forma fragmentada e popularista. Perpetuam, assim, um ciclo vicioso e, ainda que a modalidade pratique valores nobres, que variadas e transversais a todas as áreas da sociedade sejam as iniciativas por um desporto limpo, que se sujeite à avaliação de entidades (até) externas, apenas lhe dão manchete e direito a capa se o assunto for este – bem podemos ter Taça de Portugal Feminina e Masculina das várias vertentes, ciclistas nacionais nas clássicas e nas provas por etapas WT e a 2ª edição da Volta a Portugal Feminina à porta que eles não sabem disso!
Coloque-se, então, a questão assim: quais os critérios que permitem compreender a real presença de atividades de doping no desporto? Antes de mais, entendê-lo! Pergunte o jornalista a si mesmo “O que é doping? O que pode ser considerado?” e busque as respostas nas fontes certas. Ah! Faça isto antes de mandar para a redação o material que quer ver publicado. Eu ajudo: consulte as páginas da WADA, ADOP, USADA e MPCC, entre outras, e aproveite para ler relatórios e estatísticas.
Depois, ao nível do bom uso da Língua Portuguesa e da Retórica, atenção à diferença total entre “casos suspeitos”, “casos confirmados” e “casos punidos”. “Casos suspeitos de doping” geralmente referem-se a amostras colhidas. Só depois de um processo é que será revelado, publicamente, se o controlo testou ou não positivo. Algumas federações não comunicam sobre um caso de doping até o final do procedimento, quando o atleta é efetivamente punido.
Acresce, estude-se como é feito, quais são os controlos, quais agências e federações antidoping a que os ciclistas estão sujeitos (comparativamente às outras modalidades). É fácil de perceber que quantos mais testes, mais resultados para análise, mais números a serem divulgados e procedimentos disciplinares a reportar. Para que o leitor me entenda bem: use-se o exemplo dos números que a DGS diariamente partilhava a propósito da Covid. Por um lado, testávamos mais que outros países, logo, tínhamos mais casos; por outro lado, ao fim de semana testávamos menos, consequentemente os números baixavam sempre à segunda-feira. Pois, é mais ou menos assim no desporto! O ciclismo, enquanto modalidade olímpica, está altamente controlado.
Repito, o ciclismo de elite tem feito muito pela verdade desportiva, o que se reflete no declínio nos testes positivos desde 2006, não deixando de ser interessante que desportos como o boxe, hóquei e ténis de mesa tivessem um aumento – acredito que tenha sido não porque os atletas transgridam mais, mas porque o controlo se oficializou. Contudo, há desportos que passam por estes holofotes “silenciados”, o que deveria indignar o público e levá-lo a analisar os dados que deixo nas hiperligações.
Por fim, outro dos critérios a considerar quando se abre a boca para falar do doping no ciclismo é a Categoria do atleta / equipa. Os relatórios demonstram, ironicamente, que é o amador o mais prevaricador. Quanto mais profissional, menos manifestações. Das equipas nacionais para as do World Tour, as estatísticas comprovam o quanto a cultura do ciclismo ultrapassou o recurso a substâncias e técnicas proibidas pelas mais diversas agências antidopagem que alteram a performance.
Conclua-se com os dados que o MPCC partilha relativamente a 2021 e que estão na linha das demais entidades mencionadas: com 8 casos (incluindo 3 já punidos), o ciclismo ocupa o 5º lugar. Esses procedimentos afetam principalmente os homens (6, para 2 mulheres). Dois ciclistas pertencem a equipas profissionais, mas nenhum de equipas mundiais.
“Vamos concluir este relatório de 2020 com um número encorajador: entre os casos suspeitos de doping, apenas três ciclistas (homens) pertencem a WorldTour Teams ou ProTeams (eram 8 no ano passado)”, disse o MPCC. “Desde a criação do WorldTour, 15 anos atrás, que este número não era tão baixo.”
Eu sei que o encantamento do ciclismo depende do ideal do ciclista solitário superar as limitações do corpo humano. O drama daquela prova em que o eventual vencedor se põe em fuga do pelotão reside nos espetadores serem capazes de imaginar que ele rompe a própria barreira de dor pessoal e convoca reservas de força até então desconhecidas: a Vontade e a Determinação em cumprir um Propósito. Contudo, é difícil àqueles observadores aceitar que aquela capacidade de superação está fora do seu alcance – fora do alcance daquele que assiste, resignado! Por isso, precisa acreditar e fazer os outros acreditar que só com doping se pode ser assim superior!
O ciclismo é, indiscutivelmente, um teste exaustivo de resistência. Ao contrário dos maratonistas ou triatletas, os ciclistas exigem de si e competem quase todos os dias. Fazem-no graças ao seu talento, mas sobretudo graças a um esforço desmedido e inalcançável à maioria dos mortais. Esta é a verdade inspiradora que cumpre viver na cultura de uma sociedade mais justa e proativa.
https://www.usada.org/news/testing-numbers/
https://www.adop.pt/adop/estat%C3%ADstica.aspx
https://www.lawinsport.com/news/item/fifa-publishes-disciplinary-and-ethics-report-2020-2021
https://www.lawinsport.com/news/item/the-uci-publishes-cycling-independent-reform-commission-report
Artigo originalmente escrito para a minha colaboração mensal com Tempo de Jogo relativa a maio’22.
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