Estamos em Setembro e, não tendo participado no Campeonato do Mundo de XCM, este parecia, até agora, um ano zero – uma vez que a prova na Roménia, em que havia garantido a qualificação, foi posteriormente anulada pelo colégio de comissários UCI – 1º prejuízo da época!
Assim, no dia 02 SET, em Auronzo, na Itália, disputei mais do que uma maratona, visto que a prova faz parte da série de qualificação para o Campeonato do Mundo de XCM 2018 que se realizará, precisamente, naquela zona. Em Junho de 2016 fui sozinha para Laissac, França, envergando um equipamento usado com as cores da Seleção, depois de tornar claro que pretendia, cumprindo os requisitos necessários, participar no referido Campeonato.
Agora, por todo o mundo, os prós terminaram ou estão prestes a terminar a sua época (tal como nós, amadores) mas há também aqueles que, como eu, se viram para as provas por etapas.
Quase a completar 36, é claro que a competição de alto nível me faz pensar bastante – não só no potencial que tenho mas “no que ando a fazer com esta idade”. Sinto-me confiante para competir por 5 ou mais anos mas tenho a consciência da experiência de que seleccionadores (e treinadores) a pensar neste nível mundial procuram desenvolver “talentos” (ainda que, a nível nacional, pareça não haver o que ou quem seleccionar no campo feminino).
Então, porque insisto e persisto para os Mundiais?
Sem nunca ter sequer pedalado, foi em 2010 que entrei, de forma “abrupta”, para o ciclismo. Comecei com o XCO mas rapidamente quis descobrir mais: DHI, Estrada, Pista, XCM… Comecei pelo meu marido e, quando os “naysayers” (derrotistas) ganham poder na minha cabeça, é ele quem mais parece acreditar e saber reinventar(-me). Depois de tanto que tive de aprender à pressão, depois de desenvolver-me física e psicologicamente, cheguei a um ponto em que cada decisão, no treino e em prova, pode custar muito caro. E custa muito caro! Quanto mais me dediquei ao ciclismo, onde experimento a maior realização e frustração pessoal, mais abdiquei da minha carreira profissional – primeiro como oficial da Força Aérea, depois como professora e artista.
Então, como se faz isto? Como se fazem provas UCI, como se prepara para elas e como se participa nelas?
Com uma grande dose de coragem, loucura e criatividade – e um enorme acreditar (em mim, que vem de dentro e que vem de alguns). E com a qualificação, claro!
Como me qualifico para o Campeonato do Mundo?
Com pontos!
Onde alcanço os pontos?
Nas provas!
Como vou às provas?
Pois, sem dinheiro não há como ir às provas! E é lá que ganho a experiência e o ritmo adequado! Ou seja, com um orçamento reduzido é preciso determinação e rigor!
Sozinha, vou às provas mais em conta! Como quem se candidata a um emprego, tenho um CV que às vezes me permite poupar uns trocos na inscrição para a prova. Sozinha, poupo no mecânico, massagista e afins e tenho muito com que me ocupar – sou a atleta, o Diretor Desportivo e o pessoal da assistência! Do alojamento tiro muito mais do que o pequeno-almoço e a dormida pois, de manhã, saio com a mochila e, com maior ou menor descrição, vou “guardando” abastecimento para o dia. Depois, com umas compras feitas num supermercado low cost, o almoço e jantar são improvisados no quarto – na Letónia, Campeonato da Europa, gastei 15€ em comida nos dias todos que lá estive. E sim, sem vergonha, confesso que, no aeroporto de Singapura, já comi o que outros deixaram nos tabuleiros e o que outros não quiseram no avião!
Então, porque insisto e persisto para os Mundiais?
Claro que o quero muito por e para mim! Depois de ganhar, depois de ter conquistado um “lugar” entre as atletas elites, no top 10 do ranking UCI, de que valeu? Continuo quase com os mesmos que começaram esta jornada comigo e é também por eles que “ainda não está tudo feito”! Com a certeza de que chegamos àquele ponto em que nos falta “aquele bocadinho” que faz a diferença entre o amadorismo e o profissionalismo, onde poderemos chegar? Eu já dei tudo e todos os dias me dou! Falta escrever um pouco mais de história! Desde o treino até à competição, temo-lo feito possível, sem fundos institucionais, sem acompanhamento federativo – só este ano, há um mês atrás, conquistamos, por fim, o estatuto de atleta a nível municipal. Alcançar sucesso enquanto individual neste desporto, particularmente no ciclismo feminino, é uma questão de instrução e disciplina – um legado que pretendo deixar. Gostava de ter começado mais cedo só por isso: para ter tido tempo para aprender a andar nestes “cenários” sem que a idade fosse um inibidor para quem selecciona e apoia.
Então, porque insisto e persisto para os Mundiais?
Porque acredito que o melhor está por vir! Porque até aqui tenho desenvolvido as minhas competências enquanto corredora, mesmo quase aos 36, e porque aprendi a estabelecer prioridades com pouco dinheiro – através de conexões com as pessoas certas, através de ajudas e com muita humildade e imaginação. Ou seja, se olhas para a minha camisola ou para o meu banner das redes sociais, não esperes que esteja a ganhar dinheiro com o ciclismo.
Então, o que são aqueles nomes e marcas?
São a loja de rua e a empresa que me dá comida, o fisio que cede o seu tempo para cuidar de mim com uns cremes que chegam por correio, o dentista que me atende, aquela prova que me põe a competir, o quadro e as rodas e o que lhes faz falta (porque sem bike não vou a lado nenhum)… e assim progredimos: com gratidão por aqueles que, no fundo, me estendem a mão! É uma troca de serviços! Até quando me mandam umas T-shirts de além fronteiras, sinto uma “realização” inexplicável para o que está em causa.
Para que serviriam, então, os apoios em dinheiro?
Para ir às provas! Para chegar lá e comer enquanto lá estou! Não mendigo mas racionalizo (com uma certa loucura, como diz a Grabriela). Serviriam para “aquele bocadinho” que faz falta, neste nível, na preparação física! Quando há um problema de saúde, lá vai tanto ao ar! É uma despesa e perde-se tanto do trabalho de treino e preparação – uma perda à qual, digo, não me posso dar ao “luxo”! Quando tenho uma queda, um problema mecânico, quando sou atropelada, estrago material, tudo isso representa um prejuízo hiperbolizado por quem tem sempre a missão de fazer “render” o “investimento”! Nunca me posso dar ao luxo de ir a uma prova e não cumprir objectivos! Quando, no ano passado, na WMS das Filipinas, parti o desviador ao km 27, chorei, chorei, chorei… Já tinha ficado muito doente na Malásia (fiquei internada na Clínica do aeroporto, sozinha, e com todas as despesas associadas) e passei 3 dias de “recobro”, sem poder sair do quarto, em Nuvali, a fim de estar “apta” para a prova e, depois, partiu-se o desviador… Foi mau! No entanto, aqui estou, a pensar e planear mais uma participação nos mundiais de XCM, em 2018!